Os últimos dois dias têm sido quase como a terceira guerra mundial dentro do futebol: o anúncio da Superliga Europeia abalou as estruturas do esporte no velho continente, gerando enormes discordâncias e polêmicas que podem ter mudado o rumo completo da relação da UEFA com os principais clubes europeus.
Primeiro, entender o formato proposto de competição é essencial para compreender tamanha discordância dos espectadores do esporte mais popular do mundo. A Superliga contaria com 15 times de participação fixa (os 12 clubes fundadores mais 3 participantes que os times aguardam confirmação) além de 5 rotativos, com jogos nos meios de semana para não interferir nas ligas domésticas. O formato do torneio se assemelha bastante com a série C do campeonato brasileiro, contendo dois grupos de 10 equipes que disputariam partidas de ida e volta e, ao final dessa fase, os quatro melhores de cada grupo se classificam para o mata-mata da competição, com a intenção da disputa das fases finais serem disputadas em um mês.
Em segundo plano, os motivos que levaram à criação da Superliga por parte dos maiores e mais ricos clubes do mundo está diretamente ligado ao perfil das equipes. O dinheiro é o que move o novo torneio europeu proposto por Real Madrid, Barcelona, Atlético de Madrid, Chelsea, Manchester City, Liverpool, Manchester United, Arsenal, Tottenham, Juventus, Internazionale e Milan. A premiação que os clubes iriam receber em conjunto pela participação no torneio gira em torno de 3,5 bilhões de euros investidos em um fundo americano. Esse valor equivale a quase meio bilhão de euros a mais em relação ao que a Champions League (UEFA) premiou os clubes participantes (importante ressaltar que no torneio oficial, há 32 clubes contra 20 na Superliga), na temporada 2018/19 antes da pandemia.
Após o anúncio da competição, praticamente todo o mundo do futebol se uniu contra o torneio, até mesmo torcedores dos clubes fundadores se voltaram contra suas equipes do coração. Foram observados protestos por toda a Europa, principalmente dos aficionados. O estádio de Anfield (Liverpool) amanheceu com cartazes contra a criação do torneio por parte da torcida e na partida contra o Leeds United, os atletas da equipe adversária utilizaram camisas em protesto. Além disso, grandes personalidades do futebol se posicionaram fortemente contra, com a principal delas sendo Gary Neville com um discurso emocionante dizendo que os donos dos clubes fundadores, movidos pela ganância e vaidade, estão roubando o futebol que nasceu há mais de 100 anos dos pés dos trabalhadores pobres. Jogadores como Mesut Ozil, Richarlison, Bruno Fernandes, Miranda, Daniel Alves, Rashford, Ander Herrera, eentre tantos outros, também se posicionaram por meio de suas redes socias fortemente contra a Superliga Europeia.
Banner da torcida do Liverpool em protesto contra a Superliga
A enorme e forte oposição à competição se dá pelo fato de esta ir no sentido contrário do que o futebol realmente significa para os 4 bilhões de fãs espalhados pelo planeta. Trata-se do esporte que premia o melhor desempenho dentro de campo e de ser uma paixão para os torcedores, ideal este que estampava as camisas dos jogadores do Leeds no aquecimento contra o Liverpool, “o futebol é para os fãs”. As declarações do presidente do Real Madrid, Florentino Pérez, deixam ainda mais enfurecidos os verdadeiros fãs do esporte bretão. O bilionário clama que está salvando o futebol, que os jovens não tem mais interesse, que acham que as partidas são longas... O mandatário merengue esquece, entretanto, que o que move a paixão dos jovens torcedores, das crianças, é de sonhar, sonhar em ganhar um torneio como a Champions League ou a La Liga e vestir a camisa de seu país. Porém, caso o torneio vá para frente, os jogadores dos clubes participantes não poderão disputar nenhum torneio internacional pela sua seleção de origem, incluindo a Copa do Mundo...
O dia de hoje (20/04/2021), foi marcado por mais protestos de torcedores, principalmente da torcida do Chelsea se voltando contra a posição de seu clube. Houve também uma declaração forte do presidente da UEFA, Aleksander Ceferin, dizendo que tudo bem se arrepender da decisão e abandonar a ideia, porém punições bem severas não deixariam de ser impostas. Às 16h24 do horário de Brasília, já há 5 clubes dissidentes (Chelsea, Manchester City, Arsenal, Barcelona e Atlético de Madrid), uma renúncia de presidente (Ed Woodward do Manchester United, além de uma pressão imensa em cima de Florentino Pérez dentro da equipe Madrilenha.
Camiseta em Protesto da criança do torneio de jogador do Leeds United
O que é possível tirar de conclusão das 48 horas mais tensas do século do futebol europeu é que o domínio dos clubes sobre as federações aparenta ser cada vez mais forte. Por sorte, a paixão dos torcedores ainda é o que move o esporte mais amado do planeta e sempre serão esses que vão carregar a história do futebol. A UEFA sentiu o golpe da tentativa de criação de um torneio sem sua chancela, até aumentando a premiação da Champions League porém, no fim do dia, os maiores derrotados são os donos bilionários dos clubes fundadores que, mesmo declinando do projeto agora, deverão sempre ser lembrados como aqueles que colocaram a ganância, a vaidade e o egoísmo acima do que o futebol realmente significa. Simplesmente todos ignoraram o fato de que a Superliga poderia acabar com inúmeras equipes menores do futebol europeu, até de primeira divisão. O que resta agora é aguardar as punições que possivelmente os clubes irão receber e esperar também quando será a próxima tentativa de um novo golpe no futebol europeu, na incessante busca por transformá-lo em uma grande oligarquia.
Por: Rafael Tersitano
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